segunda-feira, novembro 20, 2006

Sobre o Atlético Mineiro...

Excelente texto do cronista Oswaldo Tinhorão, sobre essa aberrasção chamada Atlético Mineiro

Quando eu despertei para o futebol, um dos fatos que mais chamavam a minha atenção era a singular aptidão que tinha o Clube Atlético Mineiro para se foder de verde e amarelo -- ou de preto e branco, como queiram. Era a época do maior Flamengo de todos os tempos, e Leandro, Júnior, Nunes e Zico fizeram do detestável Galo das Alterosas eterno freguês ressentido do Flamengo.

Seria um exercício inútil enumerar aqui todas as ocasiões em que o Galo chegou para decidir e a massa atleticana -- como, em Beagá, e só em Beagá, se convencionou chamar a torcida do time -- saiu do estádio cabisbaixa e com as insossas bandeirinhas alvinegras enroladas. Nem este post tem por objetivo fazer um levantamento histórico dessa magnitude. Pretende, antes, aventurar-se no terreno batido da psicologia de botequim e esmiuçar as razões pelas quais são tão numerosos os fracassos atleticanos na hora de decidir.

Quem não conhece Beagá como eu conheço há de estar justificadamente surpreso com a pretensão diletante do Tinhorão de se meter em coisa tão complexa como a psicologia coletiva de uma torcida composta por gente das mais variadas condições, classes sociais, preferências sexuais etc. Mas o forasteiro que visita Beagá e trava contato com a torcida do Galo não demora a se convencer de que está diante de um fenômeno psicológico digno de ser estudado em maior profundidade: é a torcida mais ressentida do Brasil, a mais recalcada, a mais invejosa.

Mas não se trata só disso. Essa patologia coletiva engendrou uma outra, muito mais irritante para o forasteiro que queira debater racionalmente com essa gente: à força de tanto se foder, o atleticano acabou convencendo-se de que nada do que lhe aconteça de ruim é culpa de seus jogadores. O Galo é eternamente perseguido, eternamente injustiçado, eternamente sacaneado por uma instituição sinistra que eles denominam o Eixo.

Na cabeça ressentida dessa gente, os dirigentes de Rio e São Paulo (o Eixo em questão é o Eixo Rio-SP) sentam-se regularmente a uma mesa redonda n'algum lugar secreto e inconfessável e comprazem-se em inventar novas fórmulas para sacanear os clubes de fora do Eixo, mas mui especialmente o Galo. Chega a ser comovedor, de tão inocente, imaginar Eurico Miranda atirando-se aos braços de Márcio Braga e, juntos, irmanados, comprometerem-se a fazer todos os esforços possíveis para ajudar o maior inimigo se ele disputar o que quer que seja com o Atlético.

Seria apenas mais uma teoria conspiratória entre tantas se não redundasse em conseqüências bastante palpáveis: com o refinamento da teoria, os atleticanos têm sempre à mão uma desculpa infalível a justificar todos os seus fracassos: é tudo culpa do Eixo. O Atlético fez dez pontos a mais que o campeão São Paulo em 1977, e ainda assim teve de decidir nos pênaltis? Culpa do Eixo, que, ao elaborar o regulamento, previu que o Galo ia disparar na frente. O Reinaldo foi expulso por fazer especulações sobre a honestidade da mãe do Sr. José de Assis Aragão, em 1980? Culpa do Eixo. O Palhinha foi expulso na mesma ocasião porque pediu para ser expulso? Culpa do Eixo. O Reinaldo foi expulso no ano seguinte por calçar o Zico por trás? Culpa do Eixo.

E, enquanto o atleticano mergulha nessa auto-complacência que tudo explica como maquinações sinistras de uma entidade fictícia, o cruzeirense trata de trabalhar, aceitar seus próprios fracassos como decorrências de imperfeições suas e vai, ao longo do tempo, acumulando títulos e mais títulos de relevo, entre Copas do Brasil e Copas Libertadores.
Oswaldo Tinhorão